As competências socioemocionais incluem um conjunto de habilidades que cada pessoa tem para lidar com as próprias emoções, se relacionar com os outros e gerenciar objetivos de vida, como autoconhecimento, colaboração e resolução de problemas. Essas competências são utilizadas cotidianamente nas diversas situações da vida e integram o processo de cada um para aprender a conhecer, aprender a conviver, a trabalhar e a ser. Ou seja, são parte da formação integral e do desenvolvimento de todos. No século 21, a interconectividade e a crescente complexidade das transformações sociais, tecnológicas, entre outras, têm ampliado a relevância dessas competências para a realização no âmbito pessoal, de trabalho e social.

Muitos estudos indicam que as competências socioemocionais podem ser desenvolvidas intencionalmente no ambiente escolar, seja em atividades próprias para isso, ou articulando um conjunto de componentes curriculares. Tidas como tão importantes quanto as competências cognitivas (avaliadas por testes de inteligência e conhecimento acadêmico) para a obtenção de bons resultados na escola, e tão ou mais importantes que elas para o trabalho e a vida, formuladores de políticas públicas vêm demonstrando interesse crescente em incorporar ferramentas para seu desenvolvimento.

Para esclarecer alguns pontos essenciais dessa nova proposta de atuação letiva, conversamos com a pedagoga, mestre em desenvolvimento curricular e educação inclusiva, Letícia Lyle. Confira:

Transformando: O que são competências socioemocionais e por que elas são importantes em sala de aula?

Letícia Lyle: Competências socioemocionais são aquelas questões básicas que a gente precisa para viver, se relacionar, aprender e conviver em todos os ambientes e, inclusive, com nós mesmos. São valores e formas de lidarmos com a vida, essenciais para existir em sociedade e, por isso, devem ser trabalhadas em sala de aula. As escolas são espaços de convivência e de construção da aprendizagem. E, por isso, ao abordarmos essas questões com intencionalidade dentro de sala de aula, não só estaremos promovendo a aprendizagem, como também trazendo mais significado e relevância para todas as outras competências imprescindíveis para o ambiente escolar, como é o caso das cognitivas.

T: Com base na sua experiência, quais transformações precisamos inserir na base curricular escolar atualmente para trabalharmos as competências socioemocionais?

LL: O primeiro passo é a escola aplicar de maneira intencional essas competências. E existem quatro maneiras para fazer isso:

  1. Formação de professores.
  2. Programas específicos que estimulem as competências socioemocionais.
  3. Gestão e espaços integrados e aplicados para os propósitos socioemocionais.
  4. Integração curricular, em que todas as disciplinas se valeriam desses valores.

Todas essas formas precisam de intencionalidade, foco em qual competência gostaria de trabalhar em cada situação e também desenvolver uma proposta e metodologia de como desenvolver esse trabalho.

Nem sempre as competências socioemocionais serão trabalhadas como temas de aulas,  mas sim abordadas sutilmente no dia a dia letivo para que sejam transmitidas com eficácia aos estudantes, a partir de exemplos e discussão de valores e possibilidades de ação. As escolas modernas já têm em suas concepções a vontade de desenvolver os educandos além das competências cognitivas. E isso pode aparecer como propostas, valores ou visão de educação.

Porém, reforço: para trabalhar efetivamente com isso é preciso de intencionalidade. Por exemplo, não adianta falar que quer trabalhar com educação, mas não promover espaços de comunicação na escola. Precisamos de uma primeira grande transformação e, como curriculista, digo que é preciso olhar para os tempos e espaços que são propostos na escola e que abrem brechas para que essas maneiras diferentes de trabalhar com competências sejam realizadas. Só assim vamos incluí-las nas práticas de ensino.

T: A Comunicação Não Violenta (CNV) é um processo que está bastante em voga no momento. Quais reflexos desse processo que preza pela comunicação eficaz e empatia, já podemos ver inseridos no dia a dia letivo, e como as competências socioemocionais contribuem para que esse processo seja reforçado?

LL: A Comunicação Não Violenta é uma ferramenta fantástica para trabalhar competências socioemocionais. Ela é uma facilitadora para quaisquer espaços de convivência e algumas formas de praticá-la são: escuta empática, escuta ativa e buscar se colocar no lugar do outro. E nesse processo, o desenvolvimento de competências socioemocionais como a percepção do outro, relacionamentos sociais, responsabilidade e tomadas de decisões éticas, também será exercitado. Trazer a CNV para a escola, estimulando os professores e alunos a compreendê-la e utilizá-la, contribui para disseminar as competências socioemocionais no dia a dia.

T: Quais dicas você daria aos educadores que desejam levar conscienciosidade, sociabilidade e autorregulação para as práticas dentro de sala de aula?

LL: Primeiramente, qualquer educador que quer trabalhar com competências socioemocionais deve ir a fundo na pesquisa sobre essa temática. Hoje em dia já temos muitos campos acadêmicos que nos ajudam nessa aprendizagem. Os limites entre cada uma das três dependem de contextos e definições que podem ser muito convergentes. Mas é importante que o educador saiba o que é cada uma dessas coisas.

  1. Conscienciosidade é buscar constantemente o autoconhecimento: de onde ele vem, de onde vem seus valores e fraquezas. A partir desse domínio do autoconhecimento, muitas das questões que envolvem os pontos de vista distintos entre educadores, pais, escolas e alunos ficam mais claros. E aí sim você, como educador, consegue trabalhar com as ferramentas que tem para a promoção do ensino.
  2. A sociabilidade acontece quando: uma pessoa, ou seja, aquele que de maneira natural tende a viver em sociedade, como também aquele indivíduo amável, se relaciona bem com todas as pessoas.
  3. Autorregulação é estabelecer expectativas, trabalhar com acertos e possibilidades de crescimento. É partir para a jornada de conhecimento.

T: Como atualizar o processo de construção do conhecimento e aprendizagem, para a superação de barreiras e dificuldades, a fim de trazer as escolas para o século XXI?

LL: Para que o processo de construção do conhecimento e aprendizagem se desenvolva, precisamos compreender a diferença entre educação integral por competências e educação conteudista. Essa é a grande mudança. Precisamos aprender a trabalhar por meio do desenvolvimento das grandes competências e, apenas a partir daí, é que vamos trabalhar todos os conteúdos que devem ser abordados. Precisamos repensar nossa estrutura, forma de trabalho, currículos, formação de professores e avaliações. Isso consiste em uma transformação de longo prazo, que já acontece há alguns anos e que cada vez mais está crescendo e aparecendo em vários canais. Entender a aprendizagem do século XXI é compreender a aprendizagem integral e por competências.

T: Quais transformações podem ser vistas nas escolas que já adotaram um modelo que aplica competências socioemocionais e quais são os ganhos para professores e alunos ao vivenciarem essa prática?

LL: As competências socioemocionais trazem uma gama enorme de benefícios para a escola. As instituições que adotam esse modelo, conseguem melhores resultados acadêmicos e de comportamento, clima mais positivo, menor evasão, alunos e pais mais felizes. Escolas passam a ser ambientes mais inovadores e construtivos. Isso ocorre porque quando se abre espaço para trabalhar essas competências, também abre-se para as vivências de tudo o que o indivíduo é capaz de ser. É uma mudança que eu recomendo imediatamente. Os professores na sala de aula têm um ambiente mais coerente e alunos mais satisfeitos e produtivos. Trabalhar competências socioemocionais não é uma questão de terapia. Existem processos e maneiras para isso e, a partir de componentes relacionais e individuais, é possível inserir esse método em sala de aula e coletivamente, em prol do bem-estar e crescimento geral.

Chave de ouro

Para finalizar nossa conversa, pedimos para a Letícia nos contar, com base em sua trajetória profissional e acadêmica, como – na visão dela – a abordagem das competências socioemocionais influenciam educadores e educandos a chegarem a conclusões a respeito da realidade, dentro de uma sociedade na qual vivemos constantemente em contato com discursos de ódio?

Para ela, uma coisa super importante para que entendamos esse modelo de realidade, é a compreensão dos conceitos de oposição e culpa: “quando a gente é submetido a discursos tão fortes e opositores, não só na política como no dia a dia, nos quais as pessoas apontam o dedo para o outro e falam que a culpa é dele, isso pode ser visto como um processo de descarrego de desconforto e dores individuais, que não leva a nada”. De acordo com Letícia, as pessoas que culpam muito o outro, raramente têm a resiliência necessária para assumirem suas próprias responsabilidades.

“Quando a gente entende de onde vem as nossas dores e como dialogar com elas desde pequenos, a gente tende a assumir mais responsabilidades e ser mais proativo, em vez de só culpar”, afirma. Para Letícia, com isso construímos um espaço de convivência muito melhor. “A educação ajuda a construir, com muito amor, um mundo melhor para todos e consegue, sim, fazer isso de uma forma respeitosa e inclusiva”, conclui.  

 

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