Antes de começar a ler esse artigo pare por um instante e mova seus olhos 5 cm acima da tela de seu celular ou computador e olhe atentamente ao seu redor por alguns segundos.

Pronto? Guarde o que viu.

Reli uma entrevista antiga e interessante da neurocientista Susan Greenfield sobre os efeitos “maléficos” do exagero tecnológico para crianças, adolescentes e adultos, e achei que valia o artigo.  Mas antes da minha opinião, um pequeno trecho da entrevista:

“Susan, é autora de best-sellers sobre efeitos da tecnologia na mente humana e defende a tese de que passar tempo demais na frente de computadores, games, tablets e smartphones causa alterações cerebrais da mesma natureza daquelas advindas do Alzheimer, sem a mesma proporção, claro. Ela diz que o excesso de exposição e estímulos a tecnologia, games, sem que você tenha outros tipos de estímulos, pode conduzir a pessoa a um estado de alienação. Essa exposição exagerada, diariamente, pode levar a mente a ficar em estado de confusão entre o aqui e o agora.

Por outro lado, Susan defende a tecnologia como grande aliada ao aprendizado e ao estímulo à pesquisa, troca de informações e conhecimento, mas que nunca substituirá um bom professor, engajado pelo propósito de ensinar e compartilhar, como nos tempos de Aristóteles. Entretanto o grande problema é deixarmos de exercer, por causa da internet, outras atividades essenciais para o desenvolvimento pleno do cérebro e para a manutenção da saúde mental. Passar cinco horas seguidas jogando videogame, na rede social ou whatsapp pode ser bem estimulante, mas são cinco horas a menos para abraçar alguém, caminhar pela praia, conversar cara a cara com um amigo em um bar ou restaurante.

O cérebro de um bebê ou de uma criança é um recipiente passivo de sensações, por exemplo, que gradualmente começam a se organizar, o que permite a interpretação por associação das informações que ele recebe. A partir daí, o cérebro formula conceitos com base nas memórias e no conhecimento. É assim que cada um forma a própria identidade. A diversidade e a frequência dessas interações corriqueiras são essenciais para a construção da individualidade não apenas na primeira infância, mas durante toda a vida. As crianças se formam subindo em árvores, sentindo o calor da luz solar no rosto, correndo atrás dos amigos em um parque. O perigo é satisfazer-se com um simulacro digital das sensações reais”.

Países considerados inovadores em seu sistema de ensino, estimulam tanto projetos tecnológicos como artísticos, manuais e intelectuais. Ciência com mão na massa e também utilizando uma ferramenta digital. Do videogame ao esporte de contato onde joelhos são ralados e mãos são estendidas quando somos derrotados. Nações só se tornam inovadoras a partir do conhecimento e da educação de seu povo. E isso depende não apenas de investimento e tecnologia, mas também de relacionamento e talento humano.

Para a escola, sem dúvida um desafio. Mas educadores e professores devem sim aceitar a tecnologia como parte desse novo mundo, do mundo de crianças e jovens. Porém, devem ir além. Envolver estudantes em trabalhos colaborativos, construtivos e empreendedores que possam utilizar ou não a tecnologia. Incentivar sempre a pesquisa de maneira prática, diversa e divertida, promover a coletividade e o aprendizado em diferentes ambientes. A busca de soluções novas para um mesmo problema que não tenha uma única resposta pronta do Google.

Valorizar e extrair o melhor talento de cada um, onde a tecnologia poderá ser forte aliada, pois trará a informação e os dados enquanto em sala de aula se investe tempo em debater, pensar criticamente e inovar. E finalmente aproximar mais a escola do mundo real, das comunidades, do social, das ONGs, das empresas, da política e das necessidades e desafios da humanidade.

Para nós, pais, o desafio de não nos acomodarmos com o confortável hábito ou desculpa de achar que por nossos filhos terem nascido nesse mundo digital, devemos permitir que permaneçam horas e dias mergulhados unicamente em frente a uma tela. É preciso proximidade no relacionamento e verdade na comunicação para mostrar que é tão instigante e curioso conhecer um museu ou experimentar um instrumento novo quanto navegar em ambientes digitais paralelos ou criar um vídeo.

É difícil competir com a tecnologia de hoje, eu sei, acredite. Mas isso vale para crianças e adultos de todas as idades. Dá trabalho, pois exige esforço de se levantar do sofá e que há pessoas ao nosso redor que possamos dividir e com quem possamos aprender. A aprendizagem está por toda parte: numa conversa com o avô, numa viagem com a família, numa visita a um lar de idosos. Acredito que, apesar da tecnologia, ainda é possível manter relacionamentos verdadeiros a partir do contato humano, do pé descalço e da conversa jogada fora.

É possível aprender numa roda de conversa. Em volta da fogueira. Ou com histórias inventadas ao pé da cama. É possível se divertir, aprender, conviver e voar sem depender excessivamente da tecnologia. Afinal, se levantamos os olhos apenas 5 cm acima de uma tela digital temos um mundo inteiro ao nosso redor para explorar e aprender. Experimente olhar agora, desligue seu equipamento e viva a curiosidade.

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