“Todas as crianças são artistas. O problema é como permanecer um artista quando crescemos.” – Pablo Picasso
Quando Picasso fez esse comentário muitos talvez não tenham compreendido, na época, o real valor do que o mestre queria dizer, e sem dúvida muitos hoje ainda não dão a devida importância. Com as recentes discussões a respeito da criatividade, habilidade inata ao ser humano, e de sua escassez e importância para o futuro profissional e das organizações, é preciso entender o porquê nos tornamos ao longo da vida tão eficientes em realizar tarefas mecânicas, burocráticas e analíticas e, ao mesmo tempo, medíocres quando somos desafiados a gerar novas ideias.
Tão produtivos, mas tão pouco inovadores.
Em uma pesquisa do Instituto IBM de 2010 – 1.500 CEOS de 33 países e 60 setores da economia elegeram a criatividade como a principal habilidade para líderes e profissionais atuais. Atributos como liderança, assertividade e produtividade ficaram em segundo plano e a criatividade no mundo profissional não é apenas mais um bônus, mas sim sobrevivência e elemento essencial para uma nova cultura.
Quando pergunto para um grupo de cem pessoas, adultas, quem se considera criativo, no máximo duas ou três levantam a mão. Enquanto isso, em um grupo de crianças quase todas levantam a mão – não apenas a mão mas o corpo todo da cadeira. Eu, eu, eu, gritam elas. Nós adultos não nos consideramos criativos. Por que? Se nascemos seres pensantes e criativos, por que nos consideramos apenas pensadores e não criadores? De certa forma fomos literalmente educados e treinados para não sermos criativos.
Bloqueios criativos começam em casa. Sim, com os pais, os primeiros e mais importantes educadores. Imagine a cena. A filha chega correndo e diz: “Pai, mãe, olhem o meu carneiro voador!”. Os pais olham aquela invenção maluca e no auge de sua dita sapiência dizem: “Filha, carneiro voador? Carneirinhos não voam, eles fazem mééé e pastam.” Certamente já presenciou ou até mesmo vivenciou essa cena você mesmo. Pois bem, a família é o primeiro grande cerceador do potencial criativo de crianças simplesmente pelo fato de que fomos demasiadamente treinados a pensar logicamente. Quase sem querer, já temos a resposta adulta, pronta e racional para as cabecinhas imaginativas que gostam mesmo é de voar. Portanto, pais, eduquem sim, mas cuidado para não limitarem tão precocemente a capacidade criativa de seus filhos. Deixe-os brincar, imaginar e criar. Com diria o poeta Wally Salomão:
“Gosto de ter os pés no chão, mas a cabeça eu gosto que avoe.”
E aí vem a Escola. Ah, a escola. Hoje felizmente há em alguns países um amplo debate que repensa e questiona o velho sistema educacional que há 200 anos – desde a Revolução Industrial – mantém crianças e jovens direcionados apenas para disciplinas, exames e a pensar racionalmente. Sistema que muito pouco estimula as diferentes formas de pensar, imaginar, criticar e criar, e, portanto, pouco contribui para o desenvolvimento de talentos.
Na velha escola, apenas aqueles alunos que se encaixam perfeitamente num sistema previamente formatado são inteligentes e nota dez, enquanto os demais se esforçam para colocar suas diferenças no padrão para passarem por média. Sei o que estou falando, pois fui um desses na escola. Por isso sei o que muitas crianças e jovens sentem. É como colocarmos os nossos pés em um sapato apertado e sermos obrigados a usá-lo. Damos um jeito, mas incomoda o dia inteiro e não conseguimos ser o que somos. Já dizia Shakespeare:
“Sabemos o que somos, mas não o que podemos ser.”
Penso que a escola e as universidades devem sim ser capazes de entender as individualidades e diferenças que possuem dentro da sala de aula para justamente incendiarem a mente dos alunos e contribuírem para que eles mesmos descubram o que podem ser e fazer pelo mundo. Somos ensinados a apenas pensar de forma analítica, onde tudo é um sistema e o pensar linear é o meio para atingir sucesso profissional.
Nada contra o pensamento linear, entretanto, a negligência com que escolas e universidades de um modo geral tratam a imaginação, a intuição, a crítica e o pensamento criativo, nos leva à reflexão preocupante de que estamos educando nossos filhos para serem tudo menos criativos, originais e inovadores. As consequências disso em um mundo cada vez mais competitivo, complexo e carente de novas possibilidades e soluções para questões econômicas, políticas, ambientais e sociais, tendem a ser devastadoras.
Ken Robinson, consultor educacional, em sua palestra “A escola mata a criatividade” é até hoje o palestrante com mais views no TED. Isso mostra por um lado o quanto nós, pais e também a sociedade e a escola estamos preocupados com um tema tão sensível para o mundo – a educação e sua reinvenção. Ken defende que preservar e estimular a criatividade de crianças e jovens deveria ser tão importante quanto alfabetizar ou ensinar matemática. E que a escola de hoje de forma severa ainda estigmatiza o erro, quando todos sabemos o quanto aprendemos e inovamos por tentativa e erro. Não o erro por desleixo ou negligência. Mas o erro por tentar algo novo e experimentar deve ser sempre incentivado. Acho até um exagero dizer que a escola mata a criatividade, mas a reflexão é válida e novos modelos educacionais devem ser estimulados.
O atual sistema em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, destaca a punição e ainda condena o erro e o diferente. Como resultado crianças e jovens se tornam cada vez menos brilhantes, menos confiantes, menos originais e mais inseguros e propensos ao trabalho sistemático e repetitivo que lhes tragam segurança e os mantenham o mais longe possível do risco. Nessa linha o ser humano tende a escolher a fuga e procura a zona de conforto, onde raramente cria e, fatalmente, leva sua vida se arrastando em um trabalho seguro, confortável, mas que não lhe traz realização.
Finalmente, depois da família e a escola, vem o trabalho. O discurso da inovação aparece e hoje empresas e organizações de vários setores dizem: “Precisamos inovar! O que podemos fazer? Quem tem uma ideia nova?” Pronto, silêncio. E agora? Onde estão os inovadores? Aqueles que arriscam? Que empreendem? Que geram ideias?
O sociólogo Domenico De Masi diz:
“A sociedade ideal, pós-industrial que encontramos hoje, deveria ser uma mistura entre a razão e a emoção, a racionalidade e a criatividade. E não muito de um e pouco (ou nada) do outro.”
Estudantes optam por profissões consideradas lucrativas e deixam de lado seus sonhos e ideais pelo simples medo de errar e por não sentirem-se criativos o suficiente para fazer algo que gostem. O sociólogo ainda complementa:
“É preciso predispor os jovens à inovação, ajudá-los a reduzir suas resistências às mudanças. A família e a escola encarregam-se de acompanhar progressivamente as crianças da fase da brincadeira alegre à fase do trabalho triste. Muitas escolas de hoje são a repressão da alegria e da criatividade, que limitam e matam o potencial criativo das crianças pouco a pouco.”
Por fim, proponho uma regressão. Se esforce e lembre-se de você na infância, o que fazia e como brincava. Ou observe atentamente uma criança brincando. Ela faz o que gosta, se diverte e o resultado é sempre algo inusitado e criativo. Quando pedimos para uma criança realizar algo completamente novo e desafiador, ela no mesmo instante aceita, sem medo do ridículo, do erro ou da crítica. Ela aprende, erra, tenta novamente, acerta e dessa forma está pronta para assimilar uma nova habilidade. Ela aprende por tentativa, e mais ainda, aprende a aprender. Algo que perdemos pouco a pouco ao longo da vida. Nós, adultos, matamos a originalidade e o criativo, pois pouco usamos a imaginação e a intuição no nosso dia a dia. Portanto, aí está. O velho equilíbrio se faz necessário, como talvez tudo na vida. Por isso ouso aqui a fazer um checklist do que acho essencial para repensarmos a educação como pais e educadores.
• Valorize a escola, mas também o mundo ao redor dela
• Mantenha a tradição, mas aceite a novidade
• Tenha equilíbrio, mas permita o desequilíbrio
• Valorize os números, mas também as artes
• Fortaleça a linguagem, mas também a auto-expressão
• Valorize o indivíduo, como também a colaboração
• Faça ciência, mas também experimentação
• Parabenize o acerto, como também o erro por tentar algo novo
• Valorize o saber, mas também o criticar
• Treine a lógica, mas também a imaginação
• Aprenda a teoria, mas também a prática
• Valorize a forma, como também a estética
• Saiba a técnica, mas pratique o improviso
• Entenda as fórmulas, mas também enalteça a curiosidade e a intuição
• Faça o que é certo, mas também arrisque.
• Valorize o professor, mas também os ensinamentos da família
• Se envolva com o ambiente da escola, mas também com o bairro
• Parabenize o resultado, mas também o esforço e as diferentes formas de avaliar Reconheça o trabalho, mas também as diferentes maneiras de fazê-lo
• Fortaleça a didática, mas também o jogo, o brincar e o adaptar
• Use tecnologia, mas também construa coisas.
• Valorize as respostas, mas também as perguntas
• Não há fórmula mágica, mas há caminhos novos, sempre.
Viu, nem tudo está perdido. A inventividade humana sempre renasce e se mostra. Mas é preciso estar disposto a mudar. Prova disso é o que o economista Edmund Phelps, prêmio nobel em 2006, disse:
“É preciso inovar para ser mais feliz. É vital expor os jovens à história humana de exploração e inovação. Crie seus filhos para apreciar a aventura, a experimentação e a correr doses saudáveis de risco. Não os proteja demais.”
Puxa, se um economista se permite falar de inovação para a felicidade e o risco, creio que há sim mudança em curso e devemos todos estar nela.