Um convite à reflexão sobre o uso das telas na educação
As crianças e adolescentes de hoje cresceram conectados. Desde muito cedo, o deslizar dos dedos sobre as telas e os sons das notificações tornaram-se parte do cotidiano. Em muitos casos, esses dispositivos não apenas entretêm, mas também cumprem as mais diferentes funções — que eu e você conhecemos bem. Diante disso, não é difícil entender por que o celular se tornou um item quase inseparável — inclusive dentro da escola.
Por outro lado, os efeitos do uso excessivo das telas já não podem ser ignorados. Ansiedade, dificuldade de concentração, distúrbios do sono e isolamento social estão entre as consequências frequentemente associadas a esse uso intenso e, muitas vezes, desregulado. Para os educadores, o desafio se amplia: como lidar com uma geração que parece não conseguir se desconectar?
Algumas instituições e legislações têm apostado na proibição como solução. Tirar o celular das mãos dos estudantes seria, nesse ponto de vista, uma maneira de garantir a atenção nas aulas e preservar a ordem no ambiente escolar. Mas será que o simples ato de proibir resolve um problema tão complexo?
Em uma análise crítica à Lei 15.100/13, que veda o uso de aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas durante as aulas, um artigo da revista JOTA Essencial (2025) levanta um ponto crucial: legislar sobre o acesso dos estudantes aos celulares pode gerar a falsa ideia de que basta afastar o dispositivo para recuperar a atenção dos estudantes. No entanto, segundo os autores, a escola não pode se limitar à punição ou ao controle — ela precisa assumir uma tarefa mais difícil e, ao mesmo tempo, mais potente: formar sujeitos capazes de refletir criticamente sobre a maneira como utilizam a tecnologia.
Essa reflexão nos leva a pensar em alternativas que vão além do controle. Em vez de excluir os dispositivos do processo educacional, não seria mais proveitoso educar para o uso consciente, crítico e responsável da tecnologia? O celular, afinal, é apenas uma ferramenta. Seu impacto — positivo ou negativo — depende de como o utilizamos.
Pensar em educação no século XXI exige aceitar que os dispositivos móveis fazem parte da realidade dos estudantes. E mais: que podem ser aliados no processo de ensino-aprendizagem, desde que seu uso seja intencional, planejado e, acima de tudo, pedagógico. Trabalhar com projetos investigativos, produção de conteúdo digital, pesquisas colaborativas e criação de mídias são caminhos possíveis para integrar o celular de forma significativa às práticas educativas.
A crítica presente no artigo da revista JOTA Essencial também alerta que legislações como a mencionada tendem a deslocar a responsabilidade do problema: em vez de refletir sobre o papel da escola como formadora. Nesse sentido, a questão essencial — como ensinar o uso consciente — é deixada de lado em favor de respostas imediatistas.
É claro que essa mudança de postura não se dá da noite para o dia. Ela exige diálogo com a comunidade escolar, escuta ativa das famílias e dos próprios estudantes, além de formação continuada para os educadores. São pequenos passos, mas que apontam para uma educação mais coerente com os desafios e demandas do mundo atual.
Em vez de alimentar o embate entre proibir ou liberar, talvez seja mais sensato buscar o equilíbrio. Estabelecer combinados, construir regras coletivas e promover espaços de diálogo sobre os impactos do uso das telas pode ser um caminho mais efetivo e duradouro.
O grande desafio, portanto, não está apenas em conter os excessos, mas em formar sujeitos capazes de tomar decisões conscientes sobre o uso da tecnologia. E essa formação começa na escola, com o apoio de educadores comprometidos em transformar o cotidiano em oportunidades de aprendizado significativas.
E então, como lidar com essa realidade na escola?
Como educadora, sei que não existe uma fórmula única ou solução mágica. O que há são possibilidades construídas a partir do contexto, da escuta atenta e do compromisso com a formação integral dos nossos estudantes. Diante da presença marcante dos celulares na vida dos alunos, o papel da escola precisa ir além do “sim” ou “não”. Ele exige posicionamento — mas também mediação.
Algumas estratégias podem ser incorporadas ao cotidiano escolar para transformar esse desafio em oportunidade:
Estabelecer acordos coletivos
Mais do que impor regras, é fundamental construir combinados com os estudantes. Isso significa criar espaços de escuta para que eles participem da definição de como, quando e por que o celular poderá ser utilizado. A corresponsabilização fortalece o vínculo e o compromisso com o que foi acordado.
Propor o uso pedagógico da tecnologia
O celular pode ser incorporado às práticas de ensino de forma crítica e criativa. Pode ser ferramenta de pesquisa, produção de conteúdo audiovisual, registro de observações, gravação de podcasts, leitura de QR Codes em trilhas investigativas ou criação de mapas interativos. O importante é que seja um recurso a serviço da aprendizagem, e não uma fonte de distração.
Promover momentos de desconexão consciente
Criar atividades que incentivem o afastamento voluntário das telas pode ser uma experiência reveladora. Desafios como um “dia off-line”, rodas de conversa sobre o que sentimos quando estamos sem o celular ou atividades ao ar livre podem gerar consciência sobre o tempo de tela e reforçar o valor da presença real.
Mediar reflexões sobre bem-estar digital
O uso responsável da tecnologia precisa ser tema de discussão nos mais diversos espaços. Conversar sobre os impactos do tempo excessivo de tela, a importância do sono, da leitura e da convivência presencial pode ser tão educativo quanto ensinar a ler e escrever. Estamos colaborando para a formação de sujeitos, e isso envolve refletir sobre como habitam o mundo digital.
Envolver as famílias
Nenhuma mudança acontece somente dentro da escola. É preciso dialogar com as famílias, entender suas dificuldades e oferecer apoio para que também possam orientar os filhos em casa. Reuniões com dinâmicas participativas, grupos de escuta e produção de materiais informativos são formas eficazes de fortalecer essa parceria.
Reforçar o protagonismo estudantil
Quando os alunos são convidados a pensar soluções para as questões que os afetam, tornam-se agentes da mudança. Projetos sobre bem-estar digital, campanhas escolares sobre o uso consciente do celular ou grêmios estudantis que discutam regras de convivência podem fazer toda a diferença.
Conectando reflexão e ação: o educar como escolha transformadora
A escola não pode se colocar apenas como espaço de contenção — precisa assumir seu papel como território de formação crítica. Proibir pode até parecer uma solução imediata, mas educar para o desenvolvimento de competências éticas no ambiente digital é o único caminho capaz de gerar mudanças duradouras.
Ao propor alternativas para lidar com o uso dos celulares na escola, abrimos espaço para o diálogo, para o protagonismo estudantil e para uma aprendizagem que considera o mundo como ele é — com suas complexidades, contradições e possibilidades. Mais do que “resolver um problema”, trata-se de transformar um desafio em uma oportunidade de formação humana.
Educar nesse contexto exige coragem, escuta, criatividade e persistência. Cada pequeno passo rumo à utilização moderada das telas é também um passo rumo à construção de uma escola mais atual, inclusiva e significativa. E, mais importante, uma escola que reconhece que o tempo presente pede menos respostas prontas — e mais perguntas provocadoras.
Por isso, fica o convite: e se, ao invés de perguntar “proibir ou permitir?”, começássemos a perguntar “como podemos educar juntos para um uso consciente da tecnologia?”
Essa mudança começa em cada sala de aula, em cada conversa com os alunos, em cada escolha intencional feita por nós, educadores(as). Que este seja um ponto de partida — e não de chegada — para repensarmos o papel da escola em tempos de conexão total.