Maio chega tingido de laranja, cor que representa a luta pela proteção da infância contra a violência sexual

No dia 18, o Brasil se mobiliza em torno do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma data que convida à escuta, ao acolhimento e, sobretudo, à ação.

Como educadores, somos chamados não apenas a informar, mas a formar. É no cotidiano da escola — espaço de vínculo, confiança e construção de sentidos — que, muitas vezes, emergem sinais sutis de sofrimento silenciados. E é aí que a escuta ganha um valor imensurável.

Em um episódio sensível do podcast “Cartas de um Terapeuta”, o terapeuta Alexandre Coimbra Amaral fala sobre a dor que muitas crianças carregam em silêncio. Ele nos lembra de que há dores que não se nomeiam, mas se mostram no corpo, no comportamento, nos gestos interrompidos.

Essa reflexão nos inspira a olhar para além do visível, a reconhecer os pedidos de ajuda que não chegam em forma de palavras. Por isso, precisamos estar atentos, com o coração e os olhos abertos.

É na escola — espaço de afeto, vínculo e escuta — que, muitas vezes, surgem os primeiros sinais de que algo não vai bem. Sinais que não aparecem em palavras, mas se manifestam em mudanças de comportamento, desenhos, silêncios ou medos inexplicáveis.

Esses sinais podem aparecer de maneira sutil, no dia a dia da sala de aula, nos corredores, no recreio. Alguns sinais de alerta que merecem nossa atenção incluem:

  • Mudanças bruscas de comportamento: uma criança antes falante que passa a ficar muito quieta, ou uma criança tranquila que começa a apresentar agressividade fora do comum.
  • Medos repentinos e sem explicação aparente: medo de ficar sozinha, de ir ao banheiro, de encontrar determinadas pessoas ou de frequentar certos espaços.
  • Dificuldades de aprendizagem ou queda repentina no desempenho escolar.
  • Desenhos, brincadeiras ou falas que expressam conteúdos sexualizados ou de violência.
  • Alterações no sono, na alimentação ou em hábitos de higiene.
  • Isolamento ou dificuldade em manter vínculos com outras crianças e adultos.

Esses sinais, isoladamente, não indicam necessariamente que algo grave esteja acontecendo, mas são convites à escuta, ao cuidado e à observação atenta. Quando percebemos mudanças assim, o melhor caminho é conversar com empatia, procurar entender o que a criança está tentando comunicar e, se necessário, acionar os encaminhamentos adequados na escola ou na rede de proteção, como o Conselho Tutelar ou o CREAS.

Mais do que identificar um problema, nosso papel é garantir que nenhuma criança se sinta sozinha. Que todas saibam que podem confiar, que serão ouvidas e acolhidas com respeito e responsabilidade.

A escola como espaço seguro e de confiança

Falar sobre prevenção na escola não significa expor as crianças a conteúdos difíceis, mas, sim, fortalecer o respeito pelo corpo, pelos sentimentos e pelos próprios limites. A escola é lugar de proteção — e isso se constrói todos os dias, nas relações, nas escutas, nas escolhas pedagógicas.

Aqui vão algumas ideias de como podemos, com leveza e profundidade, trazer esse tema para o cotidiano da sala de aula:

Conversar sobre sentimentos

Ajudar as crianças a nomear o que sentem é um passo importante para que saibam identificar quando algo está errado. Rodas de conversa, histórias infantis, músicas e desenhos são ótimos aliados. O importante é criar espaços nos quais elas se sintam à vontade para falar.

Falar sobre o corpo com respeito

De forma simples e acolhedora, podemos ensinar que o corpo é delas — e que ninguém pode tocá-lo sem permissão. Que há partes íntimas que devem ser respeitadas. E, mais importante: que sempre é possível procurar um adulto de confiança.

Brincar também é escutar

No brincar, a criança se expressa, elabora emoções, mostra o que sente. Ao oferecer tempo e espaço para o brincar livre, estamos também escutando com atenção e cuidado.

Envolver toda a comunidade escolar

Pais, responsáveis e toda a equipe escolar precisam fazer parte dessa conversa. Palestras, rodas de conversa, campanhas internas e materiais informativos ajudam a construir uma rede forte de proteção.

Trabalhar cidadania no dia a dia

Projetos que valorizam o cuidado, o respeito, os direitos das crianças e a empatia ajudam a fortalecer o que realmente importa: relações seguras, afetivas e respeitosas.

Educar também é proteger! 

Falar sobre o Maio Laranja é também falar sobre nossa responsabilidade coletiva. A proteção da infância não é tarefa exclusiva da família, da escola ou do Estado — é compromisso da sociedade como um todo. E cada um de nós, em seu território de atuação, pode ser ponte entre o silêncio e a possibilidade de cuidado.

Mais do que uma campanha, o Maio Laranja é um chamado à transformação: da dor em denúncia, do medo em rede de apoio, do trauma em possibilidade de reconstrução. Educar é também proteger, e proteger é, antes de tudo, reconhecer cada criança como sujeito de direitos, digna de respeito e afeto.

Que sejamos, neste e em todos os meses, adultos atentos. Que possamos construir com nossas crianças vínculos seguros e ambientes em que elas possam ser, crescer e confiar. 

Se cada um de nós — na sala de aula, no pátio, na conversa do final do dia — puder ser um ponto de apoio, já estaremos transformando o mundo. Porque quando protegemos uma infância, estamos cuidando do futuro.

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