Iniciativas têm chegado à escola a fim de aproximar as inúmeras tecnologias de informação e comunicação, tão presentes na vida cotidiana das pessoas, às práticas de ensino. Alguns discursos são bastante otimistas para essa aproximação, outros nem tanto, contudo, surgem frequentemente inúmeras possibilidades e sugestões nesse contexto tecnológico, com objetivo de que certas ferramentas da tecnologia sejam incorporadas aos demais materiais utilizados pelos professores para o ensino.

Lembro-me de um garoto, há alguns anos, que mesmo estando no verão, ia à escola de blusa de moletom com capuz e, ao chamar minha atenção, pude perceber a necessidade dele de utilizar aquela vestimenta com o intuito de esconder o fone de ouvido por debaixo do capuz. No entanto, é notável que não é de hoje que a recusa pela tecnologia esteja presente na escola. Hoje, surpreendo-me ao notar as formas como as escolas têm encontrado para proibir e punir os alunos que aparecem munidos de algum tipo de aparelho celular, tablets ou fones de ouvido na sala de aula. Proibição em vez de orientação para o uso.

Recentemente, fui surpreendido com uma turma de alunos de ensino médio. Na ocasião, estava substituindo uma professora de literatura que estava de licença. Segundo o planejamento, precisaria terminar o conteúdo sobre a Semana de Arte Moderna, iniciada por ela, dando conta de trabalhar os principais autores, nas últimas quatro aulas que ainda restavam naquela turma.

Pediram-me, então, para encerrar o semestre com os estudantes do quarto ano. A professora da turma havia se afastado, pois vencera o prazo de sua contratação temporária. Para não ficar sem aulas, já que não havia possibilidades de contratação de um novo professor naquele término de semestre, assumi as 10 últimas aulas de literatura na qual deveria dar continuidade ao assunto “Semana da Arte Moderna”. Após uma breve conversa com os estudantes sobre que representou o evento para as Artes Brasileiras tendo como referência uma das obras que muito admiro, “1922 A Semana que não terminou”, de Marcos Augusto Gonçalves, iniciamos um aprofundamento na biografia e principais obras de três grandes autores representantes desse importante movimento na literatura brasileira: Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Mario de Andrade, respectivamente.

Iniciando as atividades com o grupo pelo primeiro autor, Manuel Bandeira, solicitei que lessem algumas obras do autor para então iniciarmos nosso trabalho. Obras essas que eu selecionei e levei a eles em uma das aulas. Em grupos de aproximadamente quatro participantes, pedi que todos lessem atentamente os escritos para que pudessem extrair os sentidos dos textos, de acordo com o que o grupo compreendera sobre os sentimentos expressos pelo eu lírico presente em cada obra. Inúmeros textos foram lidos e analisados, dentre eles estavam: O porquinho da índia, Vou-me embora pra Pasárgada, O Anel de Vidro, Andorinha e Pneumotórax, dentre outros.

Ao final, dado o tempo necessário para que os estudantes pudessem ter lido os textos, solicitei a socialização dos trabalhos para os outros grupos. Um de cada vez, os textos eram lidos em voz alta e, em seguida, interpretados e explicados por eles. Fiquei surpreso com tamanha desenvoltura de todos. Atenção e silêncio tomaram conta da sala e todos, durante todas as apresentações, puderam se expressar e explorar aqueles pequenos textos modernistas naquela manhã gelada de junho, poucos dias antes das férias.

Quando o grupo responsável pelo texto “Vou-me embora pra Pasárgada” leu seu texto, algo me chamou a atenção. Eles explicaram muito bem o que significava a palavra Pasárgada. Segundo o grupo, “Pasárgada era o nome imaginário que o autor escolheu para um paraíso próprio dele, um lugar cheio de coisas boas que ele gostaria de estar no momento em que estava em seu leito de morte”.

A mesma surpresa se deu durante a leitura do poema “Pneumotórax”, quando no último parágrafo do texto, após a narrativa de uma visita ao médico, o eu lírico questiona: “- Então, doutor, não é possível tentar o Pneumotórax?” E o médico responde: “- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.” Segundo o grupo – “tango argentino é a música que representa a morte”, por isso, citado no texto, pois fala sobre a morte do eu poético.

Questionei imediatamente aos dois grupos de onde vinha a informação sobre a palavra “Pasárgada” e sobre o “(…) tango argentino”. Rapidamente fui surpreendido com a informação de que haviam utilizado a internet, a partir dos seus celulares, para fazer uma pesquisa rápida para compreenderem os termos e também a ideia apresentada nos poemas.

Eis um dado importante, em tempos em que a tecnologia está cada vez mais presente na vida dos estudantes: todos são nativos digitais e, portanto, usuários assíduos das tecnologias. Não permitir o uso das tecnologias no ambiente da sala de aula é, senão, negar a própria cultura dos estudantes, não reconhecer os espaços de comunicação e interação, bem como os recursos de pesquisa tão importantes e caros à escola e à formação dos estudantes. A proibição do uso dos aparelhos celulares, nos dias de hoje, impossibilita, sobremaneira, que as realidades em que vivem os estudantes possam se aproximar dos conteúdos curriculares ensinados no dia a dia da escola.

Sendo assim, é válida a consideração de que seja cada vez mais importante uma reavaliação, um repensar no que diz respeito aos recursos didáticos utilizados pelas escolas, principalmente, quanto ao uso das tecnologias nos dias atuais. Deve-se reavaliar práticas e possibilidades que se fazem necessárias no dia de hoje para atender a demanda de estudantes cada vez mais imersos em espaços sociais virtuais que são as redes sociais da internet, possibilitando assim, por consequência, uma escola atual e inovadora.

– Professor… quer ver de onde tirei a informação?

– Não, valeu! Eu vi você mexendo no celular enquanto seus colegas liam o texto.

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