Para início de conversa, este é um convite à leitura e à construção do conhecimento, afinal, para que possamos agir e transformar, antes precisamos compreender

“Quando se ouve a palavra ‘autismo’, logo vem à mente a imagem de uma criança isolada em seu próprio mundo, dentro de um bolha impenetrável, que brinca de forma estranha, balança o corpo prá lá e pra cá, alheia a tudo e a todos. Geralmente, é associada a alguém ‘diferente”’de nós, que vive à margem da sociedade e tem uma vida extremamente limitada, na qual nada faz sentido. Mas não é bem assim. Esse olhar nos parece estreito demais: quando nós falamos em autismo, estamos nos referindo a pessoas com habilidades absolutamente reveladoras, que calam fundo na nossa alma, e nos fazem refletir sobre quem de fato vive alienado.”
Livro Mundo Singular, Entenda o autismo, de Mayra Gaiato.

Antes mesmo de continuar nossa reflexão, e para que possamos acrescentar afirmações, indagações ou propostas de ação, você poderia, ou posso até dizer, deveria voltar à citação e dedicar, novamente, alguns minutos à reflexão. Afinal de contas, nem eu nem você, podemos admitir um olhar estreito e alienado para qualquer situação ou comportamento, não é mesmo?

E por esse mesmo motivo, é que cabe a nós, educadores, assumirmos nosso papel de mediadores do saber, promotores de experiências únicas de aprendizagem e fazermos dessa reflexão objeto de nossos estudos, de nossas aulas e até mesmo de nossos encontros com os pais. Pois, somente assim, é que podemos alcançar as mudanças que tanto queremos ver em nossa sociedade.

Paulo Freire já nos dizia que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. É a partir dessa premissa que podemos iniciar a construção de uma escola mais acolhedora a todos, pois é na compreensão desse espaço e de seus atores enquanto responsáveis pela formação integral do ser, que mora o princípio da mudança, que parte da educação.

Precisamos entender a singularidade de cada indivíduo e o quanto isso faz de nossa convivência uma infinita possibilidade de conhecer, amar e aprender. De um lado, a simplicidade de estar junto e, do outro, a complexidade de construir essas relações. Isso pode ser percebido em todos os espaços de convivência, mas é na escola, a segunda instituição social a que temos acesso, que essa convivência passa a ser uma construção de muitos.

Todo o aprendizado sobre relacionar-se com o outro, que antes ocorria no espaço delimitado da família, passa a ocorrer em meio à diversidade de modos de sentir, ser, pensar e agir, e essa não é tarefa fácil não. Por isso, é compromisso de todos agir em prol dessa construção, para que assim, os indivíduos possam viver e conviver. E para isso, se informar, buscar o conhecimento e transformar a ação se mostra como única opção.

A primeira premissa dessa ação, sem dúvida alguma é observar, e não somente com os olhos, mas também com o coração. Não à toa, esse é o princípio do movimento científico, pois é a partir da observação que se desencadeiam experiências, hipóteses e resultados.

Na vida em sociedade não é diferente e assim como o fazer científico que se constitui na escola, é nela também que cabe o compromisso de construir o conhecimento do ser e de sua construção com o outro. Esses princípios não são apenas filosóficos, como já apresentado, são também científicos e aceitos quando estabelecidos nos documentos que regem a educação brasileira, como podemos perceber na BNCC, Base Nacional Comum Curricular:

(…) a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva (BNCC, 2018, pág. 14).

Desse modo, validamos a preocupação com a integralidade do ser considerando toda e qualquer singularidade, e para que a escola cumpra seu papel e oportunize a aprendizagem a todos; a regra é o não preconceito e a construção diária de respeito às diferenças e à diversidade.

E cabe a todos os atores sociais, principalmente ao professor em sala de aula, construir um espaço de acolhimento, onde um olhar, um gesto ou apenas a escuta, pode mudar tudo. Dessa forma, o espaço escolar se apresenta como um lugar de acolhimento de emoções, sentimentos, desejos e ações.

A escola, enquanto espaço de convivência, se apresenta como mecanismo potencial de transformação, pois é na sala de aula, no pátio, na cozinha, na área de alimentação ou mesmo em outras áreas de exploração, que se constrói a possibilidade de compreensão do outro, de si mesmo e de sua importância na mediação do ser para com o mundo.

A magia se faz quando nos dedicamos a observar os desafios individuais de cada aluno e trabalhamos no intuito de encontrar maneiras de ajudá-los a lidar com eles. Podemos afirmar que o caminho é um só, isso mesmo. Isso lhe parece estranho? Preste atenção, porque é esta a única ação que permite que tantas outras possam ocorrer e tornar esse espaço de convivência e de respeito ainda melhor.

Aprender é a primeira missão

É preciso dedicar um tempo para buscar conhecimento sobre o autismo, pois é somente quando se compreende os desafios que uma criança no espectro enfrenta que se pode pensar, planejar e criar estratégias para auxiliá-la em sala de aula.

Esclarecer dúvidas faz parte do processo de construção

Nesse sentido, os pais podem ser os primeiros a colaborar, discutir sobre os desafios, as estratégias aplicadas, os resultados obtidos e as metas a serem alcançadas.

Uma equipe multidisciplinar é a engrenagem perfeita para o movimento de compreensão. Todos os envolvidos no atendimento das crianças com TEA têm a possibilidade de prepará-las para o sucesso na escola e, além do que, esses profissionais, juntos, podem encontrar as melhores estratégias para formação da criança, de seus pares e da sociedade na qual está inserida.

Para que essa construção seja possível na escola, a socialização é essencial, e   reservar um tempo para educar a todos deve fazer parte do cotidiano escolar.

Um dos maiores desafios que as crianças com autismo enfrentam é a socialização; por vezes, a incapacidade de se comunicar e entender as necessidades dos outros pode intensificar os desafios do autismo. Compreender o outro é exercício de empatia e leva à construção de uma escola mais inclusiva.

Em sala, o professor pode fazer uso de algumas ferramentas para  auxiliar crianças atípicas, além de envolver os demais nesse processo de inclusão.

Apresentar a rotina de sala de aula com elementos visuais

Fornecer à criança uma representação visual de como será seu dia ajuda a diminuir os sentimentos de ansiedade, além de capacitar o olhar para a percepção da programação diária e propiciar a realização das atividades de maneira mais tranquila.

Facilite as transições

Em diversos momentos, passar de uma atividade para outra pode ser difícil, porque podem causar agitação, e até mesmo sentimentos de tristeza e raiva. Avisar sobre as próximas atividades, usar um cronômetro e ensinar estratégias calmantes podem ajudar a tornar as transições mais fáceis para crianças no espectro do autismo.

Planeje pausas

Pausas podem beneficiar todas as crianças, pois ao dar um descanso ao cérebro e permitir que elas se dediquem um pouco às atividades físicas para relaxar, pode-se promover uma melhora na atenção e no foco.

E para que a ludicidade seja reforçada, algumas indicações não poderiam faltar, seja na contação de histórias sobre o tema com a Fafá Conta ou na leitura dos gibis da Turma da Mônica, nos quais podemos encontrar instrumentos de conscientização e construção do ambiente necessário de inclusão.

O convite inicial à leitura e à construção do conhecimento se faz presente a todo momento, afinal, para que possamos agir e transformar, antes precisamos compreender, e esse é o processo contínuo chamado viver.

Janaína Neves
Professora e Assessora do Programa A União Faz a Vida

 

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